domingo, 30 de março de 2014

Contos Zen: O Sábio e a borboleta

Certa vez o mestre taoísta Chuang Tzu sonhou que era uma borboleta, voando alegremente aqui e ali. No sonho ele não tinha mais a mínima consciência de sua individualidade como pessoa. Ele era realmente uma borboleta. Repentinamente, ele acordou e descobriu-se deitado ali, um pessoa novamente.
Mas então ele pensou para si mesmo:
"Fui antes um homem que sonhava ser uma borboleta ou sou agora uma borboleta que sonha em ser um homem?"

Zenbudismo: Zazen, o primeiro passo é para dentro...

Sakyamuni em Zazen

Zazen (japonês: 坐禅; chinês: zuò chán (pinyin) ou tso-chan (Wade-Giles)) é a base da prática Zen Budista.
O objetivo do zazen é "apenas sentar", com a mente aberta, sem apegar-se aos pensamentos que fluem livremente. Isto é feito tanto através do uso de koans, o principal método Rinzai, ou o sentar-se completamente alerta (o "apenas sentar", shikantaza), o qual é o método da escola Soto.
O princípio do zazen é o de que uma vez que a mente esteja livre de suas diversas camadas, pode-se realizar a natureza búdica, atingindo-se a iluminação (satori/Nivana).

Do sutra de lotus: 

"Nesse momento o Honrado Pelo Mundo despertou calmamente do seu samadhi e dirigiu-se a Shariputra, dizendo: ”A sabedoria de Buda é infinitamente profunda e imensurável. O acesso a esta sabedoria é difícil de compreender e difícil de transpor".

A prática correta do Zazen

por Shunryu Suzuki
(
http://daissen.org.br/hp/index.php?id=&s=ct&menu_id=2)

Postura 

Hoje, eu gostaria de falar sobre a postura zazen. Quando você se senta na posição de lótus completo, seu pé esquerdo fica sobre sua coxa direita, seu pé direito, sobre a coxa esquerda. Ao cruzarmos as pernas desse jeito, embora tenhamos uma perna esquerda e outra direita, elas se tornam uma só. A postura expressa a unidade da dualidade: nem dois, nem um. Este é o ensinamento mais importante: nem dois, nem um. Nosso corpo e mente não são dois, nem um. Se você pensa que seu corpo e mente são dois, está errado. Se pensa que são um, também está errado. Nosso corpo e mente são dois e um ao mesmo tempo. Habitualmente, pensamos que se algo não é um, é mais do que um; que se algo não é singular, é plural. Mas, na prática, nossa vida não é só plural, é também singular. Cada um de nós é duas coisas ao mesmo tempo: dependente e independente.
Depois de viver certo número de anos, morremos. É errado pensar que isto seja o fim de nossa vida. Mas, por outro lado, achar que não morremos também está errado. Morremos e não morremos. Este é o entendimento correto. Alguns podem dizer que nossa mente, ou alma, existe para sempre e que é apenas nosso corpo físico que morre. Isso não é bem assim porque ambos, corpo e mente, têm fim. Mas, também é verdade que ambos existem eternamente. Embora se diga corpo e mente, eles são de fato dois lados da mesma moeda. Este é o entendimento correto. Assim, a postura zazen simboliza essa verdade. Quando meu pé esquerdo está sobre o lado direito de meu corpo e o pé direito sobre o lado esquerdo, eu não sei qual é qual. Tanto pode ser um como outro.
A coisa mais importante na postura zazen é manter a coluna reta. Orelhas e ombros devem ficar alinhados. Relaxe os ombros e estique a parte superior da cabeça em direção ao teto. O queixo deve ficar ligeiramente recuado para dentro. Quando o queixo está erguido, você não tem firmeza na postura, com o que e provável que sua mente se ponha a vaguear. Assim, para reforçar sua postura, pressione o diafragma para baixo, em direção ao seu hara ou parte baixa do abdome. Isso o ajudará a manter o equilíbrio físico e mental. Ao tentar manter essa postura, poderá encontrar alguma dificuldade inicial em respirar de maneira natural, mas quando se acostumar a ela será capaz de respirar normal e profundamente.
Suas mãos devem formar o mudra cósmico. Se puser o dorso da mão esquerda sobre a palma da direita, as juntas dos dedos médios encostadas umas sobre as outras, as pontas dos polegares tocando-se levemente (como se estivessem segurando uma folha de papel), suas mãos formarão um belo oval. Mantenha esse mudra cósmico com todo cuidado, como que segurando algo precioso. Suas mãos devem estar junto ao corpo, de forma que os polegares fiquem à altura do umbigo. Mantenha os braços livres e relaxados, ligeiramente afastados do tronco, como se estivessem segurando um ovo em cada axila, sem quebrá-lo.
Não deve inclinar-se para os lados, nem para a frente, nem para trás. Deve ficar sentado bem reto, como se estivesse sustentando o céu sobre a cabeça. Isto não é apenas postura ou respiração. Isto expressa o ponto chave do buddhismo. E uma expressão perfeita da sua própria natureza búddhica. Se você busca a verdadeira compreensão do buddhismo, tem de praticar deste modo. Estas formas não são meios para obter um estado mental correto. Assumir a postura já é, em si, o propósito da nossa prática. Ao se colocar nessa postura, sua mente fica naturalmente em estado correto; portanto, não há necessidade de buscar um estado especial da mente. Quando você tenta obter algo, sua mente começa a divagar por outros lugares. Quando você não se ocupa em obter algo, seu corpo e sua mente permanecem juntos, presentes onde você está. Um mestre Zen diria: "Mate o Buddha". Isto é, mate o Buddha se ele existe em algum outro lugar. Mate o Buddha porque é você que deve reaver sua própria natureza búddhica.
Fazer algo é expressar nossa natureza. Não existimos por nenhuma outra razão senão a de sermos nós mesmos. Esse é o ensinamento fundamental, expresso nas formas que observamos. Por exemplo, quando nos sentamos ou ficamos em pé no zendô, seguimos certas regras. O propósito dessas regras não é fazer com que todos sejam iguais e sim permitir que cada um expresse o seu próprio eu mais livremente. Por exemplo: cada um de nós tem sua própria maneira de ficar em pé - nossa postura em pé é baseada na proporção do nosso corpo. Quando estiver em pé, seus calcanhares devem ficar separados um do outro a uma distância que corresponda à medida de seu punho: os dedões dos pés devem ficar alinhados com os mamilos. Assim como no zazen, temos que pôr alguma força no abdome. Aqui também suas mãos devem expressar o que você é. Ponha a mão esquerda contra o peito, com os dedos circundando o polegar, e a mão direita sobre ela. Colocando o polegar esquerdo apontado para baixo e os antebraços em linha paralela ao chão, você se sentirá firme como se estivesse seguro a uma grande coluna de um templo, sem possibilidade de encolher-se ou pender para os lados.
O mais importante é estar de posse do próprio corpo físico. Se você se encolhe, está se perdendo de si mesmo. Sua mente estará divagando alhures; você não estará presente em seu corpo. Não é assim que deve ser. Nós temos que existir no aqui e agora. Este é o ponto chave. Você tem que estar de posse de seu corpo e mente. Tudo deve existir no lugar certo e de maneira certa. Então não há problemas. Se o microfone que eu uso quando falo estiver colocado em outro lugar, ele não estará servindo ao seu propósito. Quando nosso corpo e mente estão em ordem, tudo o mais está no seu devido lugar, de forma certa.
Usualmente, sem que tenhamos consciência disso, tentamos mudar as coisas em vez de mudar a nós mesmos; tentamos arrumar as coisas que estão fora de nós. Mas é impossível ordenar as coisas se você mesmo não está em ordem. Quando você faz as coisas de forma certa, no momento oportuno, tudo o mais se organiza. Você é o chefe. Quando o chefe está dormindo, todos dormem. Quando ele faz algo bem feito, todos os demais o fazem igualmente bem e no tempo certo. Este é o segredo do buddhismo. Portanto, procure manter a postura correta, não apenas quando pratica zazen mas em todas as suas atividades. Adote a postura certa quando estiver dirigindo um carro ou quando estiver lendo. Se você lê numa posição displicente, não pode ficar lúcido por muito tempo. Experimente. Você descobrirá como é importante manter a postura correta. Este é o ensinamento verdadeiro. Ensinamentos escritos no papel não são verdadeiros ensinamentos, são alimento para o cérebro. Claro que é preciso alimentar o cérebro; porém, o mais importante é ser você mesmo praticando a forma correta de viver.
Eis por que o Buddha não pôde aceitar as religiões que existiam na sua época. Ele estudou várias religiões mas não ficou satisfeito com suas práticas. Não encontrou respostas no ascetismo ou nas filosofias. Ele não estava interessado nos aspectos metafísicos da existência, e sim em seu próprio corpo e sua própria mente no aqui e agora. E quando encontrou a si mesmo, descobriu que tudo quanto existe tem natureza búddhica. Essa foi sua iluminação. Iluminação não é uma sensação agradável ou algum estado particular da mente. O estado da mente que existe quando você se senta em postura correta é, por si só, iluminação. Se você não está satisfeito com o estado da mente que tem no zazen, significa que sua mente está divagando por aí afora.
E nosso corpo e nossa mente não devem oscilar nem vaguear. Nessa postura, não há por que falar em estado correto da mente. Você já o possui. Esta é a conclusão do buddhismo.

Respiração

Quando praticamos zazen, nossa mente sempre segue a respiração. Quando inalamos, o ar entra em nosso mundo interior. Quando exalamos, o ar sai para o mundo exterior. O mundo interior não tem Limites e o mundo exterior também é ilimitado. Nós dizemos "mundo interior" e "mundo exterior", mas, na verdade, só há um único mundo. Nesse mundo sem limites, a garganta é uma espécie de porta de vaivém, O ar entra e sai como alguém passando por uma porta de vaivém. Se você pensa "eu respiro", o "eu" está a mais. Não há um você para dizer "eu". O que chamamos "eu" é apenas uma porta de vaivém que se move quando inalamos e exalamos. Ela simplesmente se move, eis tudo. Quando sua mente está pura e calma o suficiente para seguir esse movimento, não há nada: nem "eu", nem mundo, nem mente, nem corpo. Só uma porta que vai e vem.
Assim, quando praticamos zazen, tudo o que existe é o movimento da respiração e, no entanto, estamos cônscios desse movimento. Não devemos nunca nos distrair. Mas estar consciente do movimento não significa estar consciente do eu pequeno, e sim da nossa natureza universal, ou natureza de Buddha. Esta consciência é muito importante porque em geral somos unilaterais. Nossa compreensão habitual da vida é dualista: você e eu, isto e aquilo, bom e mau. Na realidade, tais discriminações são, elas próprias, a consciência da existência universal. "Você" significa estar consciente do universo na forma de você, e "eu" significa estar consciente do universo na forma de eu. Você e eu somos portas de vaivém. E necessário este tipo de compreensão; porém, nem sequer deveria chamar-se compreensão já que é, isto sim, a verdadeira experiência da vida através da prática do Zen.
Assim, quando você pratica zazen, não há idéia de tempo e espaço. Você pode dizer: "Começamos o zazen neste recinto às quinze para as seis". Portanto, você tem alguma idéia de tempo (quinze para as seis) e alguma idéia de espaço (neste recinto). Na verdade, o que você está fazendo é apenas sentar-se cônscio da atividade do universo. E tudo. Neste momento, a porta de vaivém se abre numa direção, e no momento seguinte ela se abrirá na direção oposta. Momento a momento, cada um de nós repete essa atividade. Aí não há idéia nem de tempo nem de espaço. Tempo e espaço são um. Você pode dizer: "Preciso fazer algo hoje à tarde". Mas, na realidade, não há "hoje à tarde". Fazemos uma coisa depois da outra. Eis tudo. Não existe um tempo como "hoje à tarde" ou "uma hora" ou "duas horas". A uma hora você vai almoçar. O próprio ato de almoçar é à uma hora. Você estará em algum lugar, mas esse lugar não pode ser separado de "à uma hora". Para quem realmente aprecia sua vida, eles são a mesma coisa. Mas quando ficamos aborrecidos com a vida, podemos dizer: "Eu não devia ter vindo a este lugar. Teria sido melhor ir a outra parte para almoçar. Este lugar não é muito bom". Na sua mente, você criou uma idéia de lugar desvinculada do seu tempo presente.
Ou você pode dizer: "Isto é mau, eu não devo fazer isto". Na verdade, quando diz "eu não devo fazer isto", você está fazendo um não-fazer nesse preciso momento. Portanto, não há escolha para você. Quando você separa a idéia de tempo e de espaço, parece que há alguma escolha; mas, na realidade, você tem de fazer algo ou tem de fazer um não-fazer. Não fazer algo é também fazer alguma coisa. Bom e mau existem só na sua mente. Por isso você não deve dizer: "Isto é bom", ou isto é mau". Em vez de "mau", você deve dizer "não-fazer". Se você pensa "isto é mau", estará criando confusão para si mesmo. Assim, pois, na esfera da religião pura não há confusão de tempo e espaço, de bom ou mau. Tudo o que se tem a fazer é simplesmente executar as coisas tal como se apresentam. Faça alguma coisa! Seja o que for, devemos fazê-lo, mesmo que se trate de um não-fazer. Devemos viver neste momento. Assim, quando nos sentamos, concentramo-nos em nossa respiração, nos tornamos uma porta de vaivém e fazemos o que deve ser feito, algo que temos de fazer. Isto é prática do Zen. Nesta prática não há confusão. Se você estabelecer este modo de vida, não haverá confusão de nenhuma espécie.
Tôzan, um famoso mestre Zen, disse: "A montanha azul é o pai da nuvem branca. A nuvem branca é o filho da montanha azul. O dia todo eles dependem um do outro, sem que um seja dependente do outro. A nuvem branca é sempre a nuvem branca. A montanha azul é sempre a montanha azul". Eis uma pura e clara interpretação da vida. Pode haver muitas coisas como a nuvem branca e a montanha azul: homem e mulher, mestre e discípulo. Dependem um do outro. Mas a nuvem branca não deve ser importunada pela montanha azul. A montanha azul não deve ser importunada pela nuvem branca. Elas são totalmente independentes e, não obstante, dependentes. E assim que vivemos e é assim que praticamos zazen. Quando nos tornamos verdadeiramente nós mesmos, nos tornamos somente uma porta de vaivém: somos inteiramente independentes e, ao mesmo tempo, dependentes de todas as coisas. Sem ar não podemos respirar. Cada um de nós está no centro de miríades de mundos. Estamos no centro do mundo, sempre, momento a momento. Assim, somos completamente dependentes e independentes. Se você tem este tipo de experiência, este modo de existência, você tem absoluta independência; não será importunado por coisa alguma. Portanto, quando você pratica zazen, sua mente deve estar concentrada na respiração. Este tipo de atividade é a atividade básica do ser universal. Sem esta experiência, sem esta prática, é impossível atingir a plena liberdade.

As Ondas Mentais

"Uima vez que desfrutamos todos os aspectos da vida como um desdobramento da mente grande, não precisamos ir em busca de uma alegria excessiva. Assim, nossa serenidade é imperturbável."
Quando estiver praticando zazen, não tente deter seu pensamento. Deixe que ele pare por si mesmo. Se alguma coisa lhe vier à mente, deixe que entre e deixe que saia. Ela não permanecerá por muito tempo. Tentar parar o pensamento significa que você está sendo incomodado por ele. Não se deixe incomodar por coisa alguma. Pode parecer que essa coisa vem de fora mas, na verdade, são apenas as ondas de sua mente e se você não se deixar incomodar por elas, gradualmente se tornarão mais e mais calmas. Em cinco ou dez minutos, no máximo, sua mente estará calma, serena. Sua respiração então se tornará mais lenta e a pulsação, um pouco mais acelerada.
Leva um certo tempo até que a mente se acalme durante sua prática. Surgem muitas sensações, muitos pensamentos ou imagens, mas são apenas ondas da própria mente. Nada vem de fora dela. Em geral, pensamos que nossa mente recebe impressões e experiências do exterior mas isso não é uma compreensão correta da nossa mente. A verdade é que a mente inclui tudo; quando pensamos que algo surge de fora, isso quer dizer somente que algo surge na nossa própria mente. Nada exterior a si mesmo pode perturbá-lo. E você mesmo que cria as ondas da mente. Se deixar a mente como ela é, ela se tornará calma. Esta é a chamada mente grande.
Quando a mente está vinculada a algo fora dela própria, trata-se da pequena mente, uma mente limitada. Se sua mente não estiver vinculada a nada, então não haverá mais compreensão dualista na atividade de sua mente. Compreenderá que a atividade não é mais do que ondas da sua mente. A mente grande experimenta tudo dentro de si própria. Percebe a diferença entre ambas? A mente que tudo inclui e a mente ligada a alguma coisa em particular? Na verdade, elas são a mesma coisa a compreensão é que é diferente, e sua atitude perante a vida será diferente de acordo com a compreensão que você tiver.
Que tudo esteja incluído na mente é a essência da mente; e a experiência disto é a posse do sentimento religioso. Embora as ondas surjam, a essência da sua mente é pura, como água clara com poucas ondas. Na verdade, a água tem sempre ondas. Elas são a prática da água. Falar de ondas separadas da água, ou da água separada das ondas, é uma ilusão. Água e ondas são uma só coisa. A grande e a pequena mente são uma só. Quando você entender sua mente desta maneira, terá alguma segurança em seus sentimentos. Como sua mente nada espera de fora, ela está sempre completa. Uma mente com ondas não é uma mente perturbada e sim ampliada. Qualquer coisa que você experimente é uma expressão da mente grande.
A atividade da mente grande é ampliar a si mesma através das diversas experiências. Em certo sentido nossas experiências, ocorrendo uma a uma, são sempre frescas e novas, mas em outro sentido não passam de um contínuo e repetitivo desdobramento da mente grande. Por exemplo, se há algo bom para o desjejum, você dirá "isto é bom". O "bom" provém de alguma coisa experimentada há tempos, ainda que você não lembre quando. Com a mente grande, nós aceitamos cada experiência do mesmo modo que reconhecemos a face que vemos no espelho como a nossa própria face. Para nós, praticantes, não existe o medo de perder essa mente. Não há qualquer lugar, nem para onde ir, nem de onde voltar; não existe medo da morte, do sofrimento da velhice ou da doença. Uma vez que desfrutamos todos os aspectos da vida como um desdobramento da mente grande, não precisamos ir em busca de uma alegria excessiva. Assim, nossa serenidade é imperturbável, e é com essa imperturbável serenidade da mente grande que praticamos zazen.
Suzuki, Shunryu. Mente Zen, Mente de Principiante.
Editado por Trudy Dixon, prefácio de Huston Smith,
introdução de Richard Baker, tradução de Odete Lara.
São Paulo: Palas Athena, 1994. Pág. 23-29, 32-34.

Como Praticar Zazen

Ilustrações da Sôtô-shû

Gasshô
É um expressão de respeito, fé e devoção. Junte as palmas e os dedos de ambas as mãos. Quando as duas mãos (a dualidade) se juntam, representam o Coração-Mente (a não-dualidade).
Shashu
Coloque o polegar de sua mão esquerda no meio da palma, faça um punho diante do peito e cubra com a outra mão, colocando o polegar da mão direita sobre a mão esquerda. Os antebraços fazem uma linha reta, com os ombros um pouco distantes do corpo.
Rin'i-monjin
No seu lugar, faça uma reverência em gasshô e gire no sentido horário.
Taiza-monjin
Novamente, na direção oposta, faça mais uma reverência em gasshô.
Kekka-fuza
Coloque o pé direito sobre a coxa esquerda e o pé esquerdo sobre a coxa direita.
Hanka-fuza
Se você não conseguir se sentar em kekka-fuza, apenas coloque o pé esquerdo sobre a coxa direita.
As costas
Sente-se com as costas eretas, sem se inclinar para a esquerda ou para a direita, nem para frente ou para trás.
Hokkai-jôin
Coloque sua mão direita sobre o pé esquerdo, com a palma voltada para cima, e então coloque as costas da mão esquerda sobre a palma da mão direita. As pontas dos polegares devem se tocar levemente.
Os olhos
Mantenha os olhos entreabertos, voltados para o chão, num ângulo de visão de 45 graus, sem focalizar qualquer ponto.
Kanki-issoku
Exale completamente e inspire. Faça calmamente uma profunda exalação e inalação. Abra levemente a boca e exale, suave e vagarosamente. Para exalar todo o ar dos pulmões, comprima o abdômen. Então feche a boca e inale naturalmente pelas narinas. A língua deve ficar encostada ao céu da boca. Este processo é chamado kanki-issoku.
Sayu-yôshin
Deixe a base da espinha no centro do zafu, a almofada arredondada. Balance o tronco para os lados, diminuindo o ângulo até parar, centralizando a coluna vertebral sobre o zafu.
Kyosaku
Faça um gasshô e, após receber uma leve batida, incline a cabeça para a esquerda. Depois da batida forte, estique a coluna e faça um reverência, com as mãos ainda em gasshô.
Kin'hin
Mantenha as mãos em shashu e caminhe lentamente, dando meio passo a cada respiração.

Kakusoku

Não se concentre sobre qualquer objeto específico, nem tente controlar seus pensamentos. Mantendo a postura e respiração corretas, sua mente se tranqüilizará naturalmente. Quando os vários pensamentos surgirem, não tente agarrá-los ou empurrá-los; deixe-os ir livremente. O mais importante é despertar (kakusoku) da distração e da fixação, da sonolência e do pensamento, retornando à postura correta, momento a momento.
Um sino é tocado como sinal para marcar o início e o fim das sessões de Zazen e Kin'hin:
  • quando o Zazen começa, o sino é tocado três vezes (shijosho);
  • quando o Kin'hin começa, o sino é tocado duas vezes (kin'hinsho);
  • quando o Kin'hin termina, o sino é tocado uma vez (chukaisho);
  • quando o Zazen é terminado, o sino também é tocado uma vez (hozensho).
Ao final do Zazen, faça uma reverência em gasshô. Balance o corpo levemente para os lados, desdobre as pernas cuidadosamente e se levante, sem movimentos abruptos. Arrume o zafu e deixe o seu assento.
Ao final do Kin'hin, faça uma reverência com as mãos em shashu e caminhe lentamente até o seu assento.

Muitos Mestres: Sharihotsu(Shariputra), o sábio.



Um dos dez grandes discípulos de Buda Shakyamuni, conhecido sobretudo por sua sabedoria. Shariputra (ou Sharihotsu em japônes) significa "filho de Shari" ( Shariwas sua mãe) . Shariputra também é conhecido como Upatishya ( Pali Upatissa ).  Nascido em uma família Brahman em Nalaka nos subúrbios de Rajagriha, a capital de Magadha , ele era um amigo próximo de Maudgalyayana (que tambem se tornaria discipulo Sakyamuni) desde a infância .  Juntos, eles tinham-se tornado  seguidores de Sanjaya Belatthiputta , asceta indiano. 
Não muito tempo depois Shakyamuni atingiu a iluminação, Shariputra atendeu Ashvajit (um discípulo mais antigo de Sakyamuni) , em Rajagriha . Ashvajit lhe ensinou sobre a lei da causalidade, e Shariputra ficou tão impressionado com a implicação desta doutrina e pela explicacao de Ashvajit que ele se tornou discípulo de Sakyamuni .
 Maudgalyayana seguiu seu amigo na Ordem Budista , e os dois trouxeram outros 250 discípulos de Sanjaya com eles. Desde muito cedo na vida de pregação de Sakyamuni , ambos foram contados pelo Buda como seus principais discípulos. Shariputra , em particular, foi estimado pelo Buda tão bem a ponto de ser considerado por ele como seu sucessor. Porem ele ficou doente e morreu alguns meses antes de Sakyamuni em sua aldeia natal Nalaka.  
No Sutra de Lótus , sozinho Shariputra constitui o primeiro dos três grupos de ouvintes ter a ter entendido o ensinamento do Buda , pois ele entendeu a intenção do Buda em ouvi-lo pregar o verdadeiro aspecto de todos os fenômenos nos "Meios " ( segundo capítulo do sutra).  E no  terceiro capítulo "metáforas e parábolas ", Sakyamuni prevê que ele vai em uma existência futura tornar-se um Buda chamado "Flor brilhante".

sábado, 29 de março de 2014

Pedras do Budismo: Nirvana, Satori ou simplesmente... estado de buda.

Nirvana (Sânscrito: निर्वाण; Pāli: निब्बान; Prácrito: णिव्वाण) ou Satori (japones: 悟り?) (悟 chinêswù ; coreano 오) é um termo budista para iluminação.
Seria a superação do apego aos sentidos, do material e da ignorância; tanto como a superação da existência, a pureza e a transgressão do físico, e compreenção da natureza que nos cerca (inclusive o significado para satori é compreenção).
É algumas vezes livremente tratada como sinônimo do japones Kensho, mas Kensho refere-se à primeira percepção da Natureza Búdica ou Verdadeira Natureza, algumas vezes conhecida como "acordar". Diferentemente do kensho, que não é um estado permanente de iluminação mas uma visão clara da natureza última da existência, o satori refere-se a um estado de iluminação mais profundo e duradouro.
É costume portanto utilizar-se a palavra satori, ao invés de kensho, quando referindo-se aos estados de iluminação do Buda e dos Patriarcas.
Siddhartha Gautama(Sakyamuni), o descreveu como um estado de calma, paz, pureza de pensamentos, libertação, transgressão física e de pensamentos, a elevação espiritual, e o acordar à realidade. O Hinduísmo também usa Nirvana como um sinônimo para suas ideias de moksha e fala-se a respeito em vários textos hindus tântricos, bem como na Bhagavad Gita. Os conceitos hindus e budistas de Nirvana "não devem ser considerados equivalentes".

Com esse estado de liberação, quebra-se a roda do samsara, interrompendo o processo de contínuos renascimentos.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Contos Zen: A Rocha



O aluno perguntou ao Mestre :

- Como me torno o maior dos guerreiros ?
- Vá atrás daquelas colina e insulte a rocha que se encontra no meio da planície.
- Mas para que, se ela não vai me responder ?
- Então golpeie-a com a tua espada.
- Mas minha espada se quebrará !
- Então agrida-a com tuas próprias mãos.
- Assim eu vou machucar minhas mãos ... E também não foi isso que eu perguntei. O que eu queria saber era como que eu faço para me tornar o maior dos guerreiros.
- O maior dos guerreiros e aquele que é como a rocha, não liga para insultos nem provocações, mas está sempre pronto para desvencilhar qualquer ataque do inimigo

Curiosidade: A pedra dourada de Buda



Equilibrada precariamente na borda do Monte Kyaiktiyo em Myanmar, uma enorme pedra de granito de 7 metros de altura permanece desafiando a gravidade desde os tempos mais remotos.

Conhecida como a Pedra Dourada de Buda, a rocha virou símbolo e local de peregrinação para os adeptos do budismo. Muitos budistas acreditam que aquele que visitar o templo de Kyaiktiyo e a pedra dourada três vezes durante o mesmo ano, será abençoado com riqueza e reconhecimento de sua bondade.
A pedra é totalmente folheada à ouro e apóia-se perigosamente na borda do penhasco de forma tão inacreditável, que muitos pensam que ela é ligada à base de alguma maneira. Mas, numa observação mais cuidadosa é possível confirmar que são duas rochas diferentes.

À medida que o país vai se abrindo para o mundo, mais peregrinos fazem a viagem para conhecer este lugar especial. Diz-se que apenas o vislumbre da Pedra Dourada desafiando constantemente a gravidade, traz inspiração suficiente para uma pessoa se converter ao budismo.

sábado, 15 de março de 2014

Pedras do Budismo: Impermanência


Anicca (traduzido do páli, "impermanência". Lê-se /anit-txá/.1 ) é um dos conceitos essenciais para a descrição do universo segundo o budismo (junto com dukkha e anatta, compõe as três marcas da existência). Diz respeito à constante mutação de todas as coisas que compõe o universo. Compreender a impermanência é de extrema importância dentro do contexto budista. Assim como as quatro nobres verdades são reconhecidas por todas as escolas budistas, a impermanência é um ensinamento presente em todas as linhagens.

Tudo nesta existência é passageiro, situações economicas boas ou ruins, estados emocionais de alegria ou tristeza, e mesmo nossa vida material, Tudo esta sempre em mutação.
Após uma noite escura sempre surgirá um iluminado dia.
O conceito de impermanência é central para os ensinamentos budistas . É , tornando-se ciente de que, por observá-lo e com o entendimento deste , pode-se encontrar uma solução adequada para a tristeza da vida humana.


Um video que retrata muito bem o principio da impermanência (Enigma - Return to Innocence)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Budismo Nichiren: Daimoku

Daimoku (題目) é o termo utilizado para se referir ao Mantra Sagrado Nam-Myoho-Rengue-Kyo (南無妙法蓮華経), mantra do budismo de Nichiiren sem ter que pronunciá-lo. Ao pé da letra "Daimoku" significa "O Título" ou seja, o título do Sutra Lótus, que é Myouhourenguekyou, acrescido do prefixo de devoção incondicional "Namu".

Segundo os ensinamentos de Nitiren DaiShonin, através da recitação deste mantra Namu myo hou rengue kyo nossa vida entra em ritmo com o universo e através dessa harmonia, desperta-se a Natureza de Buda, onde pode-se estabelecer uma forte identidade que não será abalada por nenhuma dificuldade.

No pensamento desta linha de budismo, existe a felicidade relativa, que é aquela obtida através da satisfação de um desejo ou da eliminação de um sofrimento, e a felicidade absoluta, aquela que surge da própria vida da pessoa, não causada pelas situações exteriores. O objetivo da recitação do Daimoku é construir uma vida que não seja derrotada pelos obstáculos, e que tais obstáculos sejam uma oportunidade para o crescimento, ou seja, para o alcance da felicidade absoluta.
A palavra Daimoku significa "título", e refere-se ao nam-myoho-rengue-kyo, como sendo o título do Sutra de Lótus. Nitiren revelou para a humanidade que ao recitar o título do Sutra de Lótus (Daimoku), está incorporado a recitação de todos os seus 28 capítulos.
Assim, sob o ponto de vista do significado literal, o Nam-myoho-rengue-kyo abrange todas as leis, toda a matéria e todas as formas de vida existentes no universo. Se o expandirmos ao espaço ilimitado, é o mesmo que a vida do universo, e se o condensarmos ao espaço ilimitado, é igual à vida individual dos seres humanos. No entanto, esta idéia é superficial, pois a mera tradução dos caracteres não expõe a profundidade da Lei Mística em sua totalidade.

Contos Zen: Sutra da montanha


Um dos monges do mestre Gasan visitou a universidade em Tokyo. Quando ele retornou, ele perguntou ao mestre se ele jamais tinha lido a Bíblia Cristã.

- Não - Gasan replicou - Por favor leia algo dela para mim.


O monge abriu a Bíblia no Sermão da Montanha em São Mateus, e começou a ler. Após a leitura das palavras de Cristo sobre os lírios no campo, ele parou. Mestre Gasan ficou em silêncio por muito tempo.


- Quem quer que proferiu estas palavras é um ser iluminado. O que você leu para mim é a essência de tudo o que eu tenho estado tentando ensinar a vocês aqui.

Muitos Mestres: Bodhidharma (Daruma)


Bodhidharma (Daruma no Japão) foi o 28º patriarca do Budismo indiano e o fundador do Zen Budismo na China, alem de fundador do famoso Mosteiro Shaolin no norte da China.
Bodhidharma assim como Sakyamuni era filho de um rei Indiano, e levou os ensinamentos do Zen da Índia para a China, há divergências quanto à data de sua chegada: um relato antigo diz que ele chegou durante a dinastia Liu Song (420–479), ao passo que relatos posteriores dizem que chegou durante a dinastia Liáng (502–557).
Atualmente, aceita-se o início do século V.
Sucessor do Mestre Hannyatara, diz a lenda que ele passou 9 anos meditando para atingir a iluminação. Conta-se que ele ficou sentado sem se mover ou piscar os olhos. Durante o processo, Bodhidharma removeu suas pálpebras de modo que não pudesse dormir durante a meditação, e suas pernas caíram pelo desuso.
Há muitas outras lendas sobre Bodhidharma, uma delas envolve o seu encontro com o Imperador Wu da Dinastia Liang, que o convidou para a corte em Nanking, pouco depois da sua chegada à China.
O imperador era um seguidor do Budismo e tinha feito muito para apoiar e promover a sua expansão, construindo e ajudando a manter mosteiros e templos dentro dos seus domínios.
Tendo ouvido falar sobre este eminente professor indiano, o imperador convocou-o e perguntou-lhe quais os méritos que lhe estavam destinados em vidas futuras como resultado da suas boas acções na sua vida.
A resposta de Bodhidharma foi sucinta: “Nenhum mérito.”
O imperador, algo atordoado, ficou surpreendido com a aparente irreverência deste estrangeiro.
Qual é – perguntou ele então – a essência de tão sagrado ensinamento?
De novo, Bhodhidarma foi firme.
 “Vazio sem limites, nada sagrado”, respondeu.
Perplexo diante deste indiano bárbaro, o Imperador Wu ordenou-lhe, “Quem é esta pessoa que me desafia?”
Então, Bodhidharma revelou a essência do ensinamento.
“Não sei,” respondeu ele.
O imperador, porém, não percebeu o que lhe havia sido apresentado. O conselheiro do imperador disse-lhe que não devia deixar partir assim o grande mestre. E apesar de o Imperador Wu ter procurado que o Bodhidharma regressasse, ele não voltou (alguns estudiosos sugerem que a filha do imperador seguiu Bodhidharma e com ele prosseguiu a sua prática, acabando por se tornar na sua sucessora).

Meditação

Tanlin, no prefácio ao "Duas Entradas e Quatro Atos", e Daoxuan, no "Outras Biografias de Monges Eminentes", mencionam uma prática do Bodhidharma denominada "olhar-parede" (壁觀 bìguān). Tanto Tanlin quanto Daoxuan associam esta prática de "olhar-parede" com a "aquietação da mente" (安心 ān xīn). Em outro lugar, Daoxuan também diz: "Os méritos do método Mahāyāna de olhar-parede são os mais altos". Estas são as primeiras menções no relato histórico do que pode ser um tipo de meditação budista relacionada com Bodhidharma. No "Duas Entradas e Quatro Atos", tradicionalmente atribuído a Bodhidharma, o termo "olhar-parede" também aparece:
"Aqueles que se afastam da Ilusão de volta à Realidade, que 'meditam nas paredes', a ausência de si-mesmo e do outro, a unidade entre mortal e sábio e que mantêm-se impassíveis até mesmo pelas escrituras estão de acordo completo e silencioso com a razão".
Exatamente o quê a prática de "olhar-parede" de Bodhidharma compreendia continua incerto. Quase todos os relatos tratam esta prática como sendo ou uma variação indefinida de meditação, como Daoxuan e Dumoulin, ou como uma variação da meditação sentada parecida com o zazen (坐禪; Chinês: zuòchán), que, posteriormente, tornou-se uma característica definidora do chán; a última interpretação é particularmente comum entre os que trabalham do ponto de vista do chán. Houve, também, interpretações deste "olhar-parede" como um fenómeno não meditativo.

Bodhidharma e as Artes Marciais

Diz a lenda que, ao chegar no templo Shaolin, Bodhidharma deparou-se com a precária condição de saúde dos monges, fruto de sua inatividade. Foi então que ele teria iniciado os monges na prática de uma série de exercícios físicos, ao mesmo tempo em que transmitia-lhes os fundamentos da filosofia zen, com o objetivo de reabilitá-los tanto física quanto espiritualmente.
Os exercícios ensinados por Bodhidharma eram baseados em métodos de respiração profunda e ioga, e seus movimentos se assemelhavam a técnicas de combate. A prática desses exercícios logo tornou-se uma tradição no templo, vindo mais tarde a atingir um estado de evolução tal que pôde ser considerada como um verdadeiro e completo sistema de autodefesa: o kung fu shaolin, que, no Japão, é conhecido como shorinji kenpo.
Esta arte marcial em ascensão logo mostrou sua eficiência: primeiro, com relação à restabelecida saúde dos monges; segundo, como método de defesa pessoal propriamente dito posto em prática contra bandoleiros que, por vez ou outra, saqueavam o templo, de quem os monges, em outros tempos, eram considerados presas fáceis.
Numa lenda, Bodhidharma recusou-se a continuar a ensinar seu futuro estudante, Hui-k'o, que manteve vigília por várias semanas na neve fora do monastério e que cortou seu próprio braço direito para demonstrar sua sinceridade.
O Yi Jin Jing dá crédito a Bodhidharma pelo kung fu shaolin ensinado aos monges do templo Shaolin, o que o tornaria uma influência importante nas artes marciais em geral. O kung fu shaolin se difundiu amplamente pelo país, principalmente durante a Dinastia Ming (1368-1644), vindo mais tarde a conquistar outros países da Ásia e a dar origem a outros estilos de artes marciais, como o caratê de Okinawa.

O boneco Daruma

No Japão, onde ele é conhecido como Daruma, sua grande vontade de atingir um objetivo o tornou um símbolo ideal da realização de um desejo. O bonequinhos Daruma são pintados de vermelho com as características do monge. Eles são redondos, sem braços, pernas e olhos, e eles têm seu peso concentrado na base, ou seja, eles nunca caem. Dessa maneira eles são rebatidos assim que são derrubados, simbolizando nunca se render ou se desesperar quando os tempos são difíceis. Devido a esse fato, eles são conhecidos no Japão como um talismã, assegurando um sucesso eventual. O bonequinhos são preferidos por uma grande diversidade de pessoas, particularmente os vendedores. Os olhos de Daruma são deixados em branco. As pessoas compram e pintam um olho para desejar sucesso em uma prova ou promoção, por exemplo, e quando o desejo se concretiza eles pintam o outro olho.
Os bonequinhos Daruma não tem olhos por várias razões:
Primeiro, Bodhidharma não usava seu olho visível para atingir a iluminação, mas o olho de sua mente.
Segundo, dizem que uma imagem de Buda adquire vida somente quando seu olho é pintado.
Finalmente, há um trocadilho no som "gan", que significa ou requisição ou olho, dependendo do caracter usado para escrevê-lo. Para saber qual olho se deve pintar primeiro, olhe para o Daruma e pinte o olho à sua esquerda enquanto você faz seu o pedido. Pinte o olho à sua direita quando seu desejo for realizado. Então leve-o para o templo local como uma oferta. Daruma e outros ornamentos são geralmente queimados numa fogueira no Ano Novo.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Pedras do Budismo: O caminho do meio, o nobre caminho óctuplo




O “caminho do meio” é um dos pilares do budismo, o eixo do homem é encontrado no ponto equidistante entre o fácil e o difícil, o superficial e o profundo, vida e morte, o prazer e a dor.
Quem busca extremos corre o risco de passar da virtude à perdição, pois inclusive como adverte Nietzsche, já que as paixões costumam levar a ações desmedidas.
Encontrar o equilíbrio no momento de agir não significa ter medo nem falta de iniciativa, mas alcançar um horizonte suficientemente amplo para entender que a verdade – e, o que é ainda mais importante, a conveniência – nunca será encontrada nas posturas radicais.
Viver nos extremos indica antes de tudo, incapacidade para conviver com posições opostas e sobretudo sempre ter apenas uma visão da vida, a visão do extremo na qual nos encontramos.
Como disse Aristóteles: “A virtude consiste em saber encontrar o meio-termo entre dois extremos.”
No budismo tambem conhecemos o caminho do meio como o nobre caminho óctuplo, pois é regido por oito práticas:
  1. Compreensão correta: Conhecer as Quatro Nobres Verdades de maneira a entender as coisas como elas realmente são, e com isso gerar uma motivação de querer se liberar de dukkha e ajudar os outros seres a fazerem o mesmo.
  2. Pensamento correto: Desenvolver as nobres qualidades da bondade amorosa, não tendo má vontade em relação aos outros, não querendo causar o mal (nem em pensamento), não ser avarento, e em suma, não ser egoísta.
  3. Fala correta: Abster-se de mentir, falar em vão, usar palavras ásperas ou caluniosas, e ao invés disso, falar a verdade, ter uma fala construtiva, harmoniosa, conciliadora.
  4. Ação correta: Promover a vida, praticar a generosidade e não causar o sofrimento através de práticas moralistas.
  5. Meio de vida correto: Compreender e respeitar o próprio corpo, olhar os outros com amor, compaixão, alegria e equanimidade, que são as quatro qualidades incomensuráveis, e na prática do dia-a-dia, praticar os seis paramitas da generosidade, ética, paz, esforço, concentração e sabedoria. Também inclui ter uma profissão que não esteja em desacordo com os princípios.
  6. Esforço correto: Praticar autodisciplina para obter a quietude e atenção da mente, de maneira a evitar estados de mente maléficos e desenvolver estados de mente sãos.
  7. Atenção correta: Desenvolver completa consciência de todas as ações do corpo, fala e mente para evitar atos insanos, através da contemplação da natureza verdadeira de todas as coisas.
  8. Concentração correta: A partir da concentração, a mente entra em estado contemplativo e em seguida vem o nirvana.

O símbolo Dharmachakra (roda do Dharma) é representado como uma roda de biga (Sânscrito cakram) com oito raios.
É o símbolo budista mais antigo conhecido encontrado na arte indiana, surgindo com a primeira iconografia pós-Harappa sobrevivente no tempo do rei Budista Ashoka.
O Dharmachakra tem sido usado por todas as nações budistas como um símbolo a partir de então. Na sua forma mais simples, o Dharmachakra é reconhecido globalmente como um símbolo do Budismo que encerra o resumo de todos os ensinamentos do Buda.
Os raios representam o Nobre Caminho Óctuplo.

Contos Zen: De quem é o presente?

Perto de Tóquio vivia um grande samurai idoso que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta.  Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama. Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direcção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais.  Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados pelo fato de que o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram: - Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?
- A quem tentou entregá-lo - respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos - disse o mestre - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, só se você permitir...

O Sutra do diamante





O Sutra do Diamante é uma obra prima que já preconiza o zen-budismo, que é a mistura do Budismo com o Taoísmo, é o esplendor da simultaneidade em que o mesmo tempo uma coisa é e não é. Uma poesia que rivaliza com a poesia dos maiores poetas da humanidade. É interessante notar que este Sutra do Diamante constrata com o realismo das pregações de Siddhartha Gautama.
Buda nasce pelo flanco direito de um elefante, na história chamada real ele funda a primeira comunidade democrática chamada Samkya. Nesta comunidade, a palavra era aberta e as discussões totalmente livres, sendo que Buda era o centro. Havia um discípulo a sua extrema direita que exagerava mil vezes tudo que Buda dizia, à sua esquerda um outro discípulo que reduzia em dimensões limitadas as suas palavras. Buda não só tolerava isto mas achava o máximo. Houve um momento notório. Foi quando seus discípulos propuseram a entrada das mulheres na Samkya. Buda se opôs totalmente, mas foi derrotado por votação. Ele aceitou como democrata exemplar dos futuros tempos e disse: "está bem, mas depois não vão reclamar que, por causa da entrada delas, o Nirvana vai se atrasar por 500 anos para chegar." Suas últimas palavras foram: embora seja inútil, não diligenciai esforços!!!!




(1) Assim eu ouvi. Uma manhã, quando o Buddha estava perto de Shravasti no bosque de Jeta, Ele e Sua comunidade de mil duzentos e cinquenta monges foram à cidade para mendigar sua refeição matinal; e depois que voltaram e terminaram a refeição, deixaram de lado seus robes e tigelas e lavaram seus pés. Então o Buddha sentou-se e os outros sentaram diante dele.

(2) Do meio da assembléia levantou-se o Venerável Subhuti. Ele descobriu seu ombro direito, ajoelhou-se sobre a perna direita, e, juntando as palmas das mãos, inclinou-se diante do Buddha. "Senhor," ele disse, "Tathagata! Honrado-por-todo-o-mundo! Que maravilhoso é que sejamos protegidos e instruídos pela Sua misericórdia! Senhor, quando homens e mulheres anunciam que desejam seguir o Caminho do Bodhisattva e nos perguntam como devem proceder, que devemos dizer-lhes?

(3) Bom Subhuti," respondeu o Buddha, "sempre que alguém anuncia, `Eu quero seguir o Caminho do Bodhisattva porque quero salvar todos os seres sencientes; e não importa se são criaturas formadas em um útero ou chocadas em ovos; se seus ciclos de vida são tão observáveis como os de minhocas, insetos e borboletas; ou se aparecem miraculosamente como cogumelos ou deuses; ou se são capazes de pensamentos profundos ou de nenhum pensamento, faço o voto de conduzir cada um dos seres ao Nirvana!' então, Subhuti, deves lembrar o que tomou os votos que mesmo que um tal incontável número de seres fosse assim libertado, na verdade nenhum ser seria libertado. Um Bodhisattva não se apega à ilusão de uma individualidade ou entidade egóica ou a uma identificação pessoal. Na verdade, não existe qualquer "eu" que liberta e nenhum "eles" que são libertados.

(4) "Além disso, Subhuti, um Bodhisattva deveria ser desapegado de todos os desejos, sejam de ver, ouvir, cheirar, tocar ou degustar qualquer coisa, ou seja o de levar multidões à iluminação. Um Bodhisattva não prova da ambição. Seu amor é infinito e não pode ser limitado por apegos ou ambições pessoais. Quando o amor é infinito seus méritos são incalculáveis.

"Diga, Subhuti, podes medir o céu oriental?"
"Não, Senhor, não posso."
"Podes medir o espaço que fica ao Sul, Oeste, Norte ou mesmo para baixo ou para cima?"
"Não, Senhor, não posso."
"Nem podes medir os méritos de um Bodhisattva que ama, trabalha e dá sem desejo ou ambição."
"Bodhisattvas deveriam prestar atenção particular a esta instrução."

(5) "Subhuti, o que achas? É possível descrever o Tathagata? Pode Ele ser reconhecido por características materiais?"
"Não, Senhor, não é possível submeter o Tathagata a diferenciações ou comparações." Então o Senhor disse, "Subhuti, na fraude do Samsara, todas as coisas são vistas como diferentes ou com diferentes atributos, mas na verdade do Nirvana nenhuma diferenciação é possível. O Tathagata não pode ser descrito."
"Quem quer que perceba que todas as qualidades não são, na verdade, qualidades determinadas percebe o Tathagata."

(6) Subhuti perguntou ao Buddha, "Honrado-pelo-mundo, sempre haverá homens que compreendem este ensinamento?"
"O Senhor respondeu, "Subhuti, não duvides disso! Sempre haverá Bodhisattvas virtuosos e sábios; e, em eras por vir, estes Bodhisattvas plantarão suas raízes de mérito sob muitas árvores Bodhi. Receberão este ensinamento e responderão com serena fé porque sempre haverá Buddhas para inspirá-los. O Tathagata os verá e os reconhecerá com seu olho-Búddhico porque nestes Bodhisattvas não haverá obstruções, nem percepção de um eu individual, nenhuma percepção de um ser separado, nenhuma percepção de uma alma, nem de uma pessoa. E estes Bodhisattvas também não vão perceber as coisas como tendo qualidades próprias nem como sendo destituídas de qualidades próprias. Nem vão discriminar entre bem e mal. A discriminação entre boa e má conduta deve ser usada como se usa um barco. Depois que deixa aquele que cruzou a corrente no outro lado, deve ser abandonado."

(7) "Diga, Subhuti, O Tathagata conseguiu a Perfeita Iluminação que Transcende Comparações? Se assim é, há algo sobre ela que o Tathagata pode ensinar?"
"Subhuti respondeu, "Da maneira como entendo o ensinamento ele não pode ser ensinado e não pode ser atingido ou compreendido e nem pode ser ensinado. Por quê? Porque o Tathagata disse que a Verdade não é uma coisa que pode ser diferenciada ou contida e então a Verdade não pode ser compreendida ou expressada. A Verdade nem é e nem não é."

(8) Então o Senhor perguntou, "Se alguém enchesse três mil galáxias com os sete tesouros - ouro, prata, lápis-lazuli, cristal, ágata, pérolas vermelhas e cornalina - e desse tudo o que possuísse como esmola ou caridade, ganharia grande mérito?"
Subhuti respondeu, "Senhor, grande mérito, de fato, caberia a ele ainda que, na verdade, ele não tenha uma existência separada à qual o mérito pudesse ser associado."
Então o Buddha disse, "Suponha que alguém entendesse apenas quatro linhas do nosso Discurso mas ainda assim resolvesse se dar ao trabalho de explicar estas linhas para alguém mais; então, Subhuti, seu mérito seria maior que o do doador de esmolas. Por quê? Porque este Discurso pode produzir Buddhas! Este Discurso revela a Perfeição da Iluminação que Transcende Comparações!

(9) "Diga, Subhuti. Um discípulo que começa a cruzar a corrente diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que começou a cruzar a corrente'?"
"Não, Senhor. Alguém que realmente esteja entrando na corrente não pensa em si mesmo como uma ego-entidade isolada que possa merecer qualquer coisa. Apenas aquele discípulo que não vê diferença entre si mesmo e os outros, que não dá importância a nome, forma, som, odor, gosto, tato ou qualquer qualidade pode ser chamado um daqueles que entraram na corrente."
"Um adepto que esteja sujeito a apenas um renascimento mais diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que só renascerá uma vez mais'?"
"Não, Senhor. `Um que renascerá uma só vez mais' é apenas um nome. Não há falecimento ou volta à existência. Apenas quem compreende isto pode ser chamado um adepto."
"Um Venerável que nunca mais terá que nascer como um mortal diz a si mesmo, `Eu mereço as honras e recompensas de alguém que não mais retornará'?"
"Não, Honrado-pelo-mundo. `Alguém que não retornará' é apenas um nome. Não existem o retornar ou o não-retornar."
"Diga, Subhuti. Um Buddha diz a si mesmo, `Eu atingi a perfeita Iluminação'?"
"Não, Senhor. Não há nada como uma Iluminação Perfeita a se obter. Senhor, se um Buddha Perfeitamente Iluminado dissesse a si mesmo, `tal sou eu' ele estaria admitindo a existência de uma identidade individual, um eu e uma personalidade separadas e neste caso não seria um Buddha Perfeitamente Iluminado.
"Ó, Honrado-pelo-mundo! Havíeis declarado que eu, Subhuti, me distingui entre teus discípulos no conhecimento da bem-aventurança do samadhi, em viver perfeitamente contente e satisfeito em reclusão, e em ser livre das paixões. Ainda assim não digo a mim mesmo que o sou pois se pensasse em mim mesmo como tal então não seria verdade que escapei da ilusão do ego. Sei que na verdade não há Subhuti e portanto Subhuti não reside em qualquer lugar, que ele não conhece e nem ignora a bem-aventurança, e que não é livre e nem escravo das paixões.

(10) O Buddha disse, "Subhuti, que pensas? No passado, quando o Tathagata estava com Dipankara, o Completamente Iluminado, Ele aprendeu algo dele?"
"Não, Senhor. Não há algo como uma doutrina a ser aprendida."
"Subhuti, saibas também que se qualquer Bodhisattva dissesse, `Eu vou criar um paraíso', ele estaria mentindo. E porquê? Porque um paraíso não pode ser construído nem destruído.
"Saibas então, Subhuti, que todo o Bodhisttva, maior ou menor, deveria experimentar a pura mente que vem depois da extinção do ego. Tal mente não discrimina e faz julgamento de som, gosto, toque, odor, ou qualquer qualidade. Um Bodhisattva deveria desenvolver uma mente que não forma qualquer apego ou aversão a qualquer coisa.
"Suponhas que um homem fosse dotado de um corpo enorme, tão grande que tivesse a presença pessoal como a de Sumero, o rei das montanhas. Sua existência pessoal seria grande?"
"Sim, Senhor. Seria grande, mas `existência pessoal' é apenas um nome. Na verdade, ele nem existiria e nem não existiria."

(11) "Subhuti, se houvesse tantos rios Ganges quanto há grãos de areia no rio Ganges, o total de grãos seria grande?"
"Grande, de fato, Honrado-por-todo-o-mundo. Seria mais fácil contar todos os rios Ganges, do que contar o total combinado de grãos de areia neles todos!"
"Subhuti, vou te contar uma grande verdade. Se alguém enchesse três mil galáxias com os sete tesouros para cada grão de areia em todos esses rios Ganges e desse isso tudo como esmola ou caridade, ganharia muito mérito?"
"Muito mérito, certamente, Senhor."
Então o Buddha declarou, "No entanto, Subhuti, se alguém estudasse nosso Discurso e entende apenas quatro linhas dele mas então explica essas quatro linhas para alguém mais, o mérito consequente seria muito maior."

(12) "Além disso, Subhuti, onde quer que aquelas quatro linhas sejam proclamadas, aquele lugar deveria ser venerado como um Santuário do Buddha. E a veneração seria proporcional ao número de linhas explicadas!
"Qualquer um que compreenda e explique este Discurso em sua totalidade consegue a mais alta e mais maravilhosa de todas as verdades. E onde quer que esta explicação é dada, lá, naquele lugar, deverias te conduzir como se estivesses na presença do Buddha. Em tal lugar deverias te curvar e oferecer flores e incenso."

(13) Então Subhuti perguntou, "Honrado-por-todo-o-mundo, por que nome deveria este Discurso ser conhecido?"
O Buddha respondeu, "Este Discurso deveria ser conhecido como o Vajracchedika Prajna Paramita - o Lapidador da Sabedoria Transcendental - porque é o Ensinamento que é duro e afiado e corta a concepção errada e a ilusão."

(14) Neste ponto o impacto do Dharma levou Subhuti a derramar lágrimas. Então, enquanto limpava a face, ele disse, "Senhor, que precioso é que pronunciastes este profundo Discurso! Já faz muito tempo que meu olho da sabedoria foi aberto pela primeira vez; mas desde aquele dia até hoje nunca havia ouvido uma explicação tão maravilhosa da natureza da Realidade Fundamental."
"Senhor, sei que por muitos anos ainda haverá homens e mulheres que, sabendo do nosso Discurso, o receberão com fé e entendimento. Serão livres da idéia de uma entidade-ego, livres da idéia de uma alma pessoal, livres da idéia de um ser individual ou existência separada. Que realização memorável essa liberdade será!"

(16) "Subhuti, apesar de neste mundo ter havido milhões e milhões de Buddhas, e todos tendo muito mérito, o maior mérito de todos virá àquele homem ou mulher que, quando nossa Época Búddhica chegar próxima ao seu fim no período dos últimos quinhentos anos, receber este discurso, considerá-lo, tiver fé nele, e então explicá-lo a alguém mais, resgatando assim nossa Boa Doutrina do colapso final."

(17) "Senhor, como então deveríamos instruir aqueles que querem tomar o voto do Bodhisattva?"
"Diga a eles que se quiserem chegar à Perfeita Iluminação que Transcende Comparações eles devem estar decididos em suas atitudes. Devem estar determinados a libertar cada ser vivente mas devem entender que na verdade não há seres vivos individuais ou separados."
"Subhuti, para ser chamado um Bodhisattva na verdade, um Bodhisattva deve ser completamente destituído de quaisquer concepções de um si mesmo."

(18) "Diga, Subhuti, o Tathagata tem o olho humano?"
"Sim, Senhor, Ele tem."
"E o Tathagata tem o olho divino?"
"Sim, Senhor, Ele tem."
"E o Tathagata possui o olho gnóstico?"
"Sim, Honrado-por-todo-o-mundo."
"E Ele possui o olho da sabedoria transcendental?"
"Sim, Senhor."
"E o Tathagata possui o olho-Búddhico da onisciência?"
"Sim, Senhor, Ele o tem."

"Subhuti, apesar de haver incontáveis Terras Búddhicas e incontáveis seres com diferentes mentes nessas Terras Búddhicas, o Tathagata compreende a todos com sua Mente que Tudo Abarca. Quanto às suas mentes, são meramente chamadas de `mente.' Tais mentes não têm existencia real. Subhuti, é impossível reter a mente do passado, impossível reter a mente do presente, e impossível apreender a mente do futuro porque em nenhuma de suas atividades a mente tem substância ou existência."

(32) "E finalmente, Subhuti, novamente saibas que se um homem desse tudo o que tem - tesouros suficientes para encher incontáveis mundos - e outro homem ou mulher acordasse para o puro pensamento da Iluminação e tomasse apenas quatro linhas deste discurso, as recitasse, considerasse, compreendesse e então, para o benefício de outros, as distribuísse e explicasse, o mérito deste ou desta seria o maior de todos.
"Agora, como deveria ser a maneira de um Bodhisattva explicar estas linhas? Deveria ser desapegado das coisas fraudulentas do Samsara e deveria permanecer na verdade eterna da Realidade. Deveria saber que o ego é um fantasma e que tal ilusão não precisa persistir por muito tempo.
"E assim ele deve ver o mundo impermanente do ego -
Como uma estrela cadente, ou a vaidosa Vênus ofuscada
pela Aurora,
Pequena bolha na água corrente, um sonho,
A chama de uma vela, que tremula e se vai."

Quando o Buddha terminou, o Venerável Subhuti e os outros na assembléia se encheram de alegria com o ensinamento dEle; e, recebendo-o sinceramente em seus corações, tomaram seus caminhos." 

Fonte: http://xuyun.zatma.org/Portuguese/Dharma/Sruti_Smriti/Sutras/Prajanaparamita.html

quarta-feira, 12 de março de 2014

Muitos Mestres: Nichiren DaiShonin


Nitiren Daishonin nasceu em 16 de fevereiro de 1222, na vila de Kominato, Província de Awa, na atual Província de Tiba. Ao contrário de Sakyamuni, que foi filho de rei, os pais de Nitiren Daishonin eram pescadores. Naquela época, os pescadores e caçadores eram desprezados porque sua sobrevivência envolvia tirar a vida. As circunstâncias de seu nascimento são muito significativas, pois indicam o princípio budista da igualdade máxima de todas as pessoas, independentemente de sua posição social ou de outros critérios superficiais.
Ele recebeu o nome de Zenniti-maro e viveu na vila de pescadores até 1233, quando, aos doze anos, deixou o lar para estudar o budismo e outros ensinos seculares em um templo próximo de onde morava, chamado Seityo.
Em seus estudos, percebeu várias contradições entre os ensinos budistas; também determinou encontrar uma resposta para os problemas da transitoriedade da vida humana, com a qual estava profundamente preocupado. Nessa época, orava diante de uma estátua do Bodhisattva Kokuzo (Repositório do Espaço) consagrada no templo Seityo para se tornar o homem mais sábio do Japão. Graças a essas orações, obteve uma “jóia da sabedoria” que posteriormente possibilitou-lhe compreender a essência de todos os sutras. Após muito estudo e contemplação, compreendeu a natureza da realidade máxima da vida e do Universo. Considerando seu despertar como ponto de partida, determinou prosseguir nos estudos para apresentar suas idéias de forma sistemática.
Em 1237, tornou-se sacerdote budista e adotou o nome Zesho-bo Rentyo. Em 1242, após ter passado alguns anos em Kamakura — o centro do governo japonês na época — para dar prosseguimento aos seus estudos, retornou para o templo Seityo. Sentindo uma urgente necessidade de continuar os estudos, no mesmo ano partiu para Quioto e Nara, os dois centros do budismo tradicional no Japão. Permaneceu ali até 1253, quando sentiu ter descoberto o que buscava havia tanto tempo: provas documentais irrefutáveis de que as doutrinas de várias seitas não se baseiam de fato nos ensinos do fundador do budismo e que o Sutra de Lótus estava sendo esquecido, este que DaiShonin considerava como o mais importante dos sutras.
Retornando ao templo Seityo, convicto de que havia chegado a época de revelar suas descobertas aos outros, Nitiren recitou o Nam–myoho-rengue-kyo pela primeira vez na manhã de 28 de abril de 1253 — apresentando dessa forma a toda a humanidade, a todas as gerações vindouras, o caminho direto para a iluminação. Ele declarou então que nenhum dos ensinos pré-Sutra de Lótus revelavam a iluminação do Buda e que todas as seitas budistas que se baseavam nesses ensinos eram desencaminhadoras. Adotou também o nome Nitiren.
Niti, de Nitiren, significa o sol ou a luz lançada pela sabedoria de Nitiren Daishonin a todo o mundo para eliminar a obscuridão que aflige a humanidade. Ren significa lótus e indica que Nitiren Daishonin apareceu no mundo corrupto e dominado pela discórdia para fazer com que as belas e puras flores da sabedoria e da cultura desabrochassem no coração perturbado de todas as pessoas. Ren também significa a lei de causa e efeito que atua nas profundezas da vida. E faz parte do título do Sutra de Lótus, Myoho-rengue-kyo.
Tendo fundado os verdadeiros ensinos do budismo e iniciado sua propagação, Daishonin encontrou as mais duras perseguições, tanto das seitas budistas populares daquela época como das autoridades governamentais, que protegiam essas seitas e confiavam em suas orações para que findassem os contínuos desastres naturais que ocorriam naquele período.
Nitiren Daishonin passou mais de duas décadas ensinando às pessoas sobre o budismo e advertindo o governo — para que os líderes levassem a paz à nação aceitando os verdadeiros ensinos do budismo. Durante esse período, ele sobreviveu a dois exílios, uma tentativa de execução, uma emboscada e numerosas tentativas de colocarem-no em descrédito. Por fim, em 12 de maio de 1274, Nitiren Daishonin deixou Kamakura e partiu para um local remoto no Monte Minobu onde deu continuidade ao estágio final de suas atividades.
Nesse local, Nitiren Daishonin inscreveu em 1279 o Daiohonzon — o objeto de devoção para toda a humanidade. Já nessa época, havia discípulos e seguidores desejando arriscar a vida para abraçarem e propagarem o Nam-myoho-rengue-kyo. Ele estava convicto de que aqueles crentes decididos protegeriam seu ensino para toda a posteridade.
Três anos depois, na manhã do dia 13 de outubro de 1282, Nitiren Daishonin faleceu pacificamente na residência de um seguidor onde hoje se localiza a cidade de Tóquio.
Podemos definir seu papel na corrente do pensamento e da história budista da seguinte forma: Nitiren Daishonin foi o Buda que despertou para a verdade suprema da vida desde o infinito passado; isso aconteceu em um passado incalculavelmente distante antes de o Buda Sakyamuni ter atingido sua iluminação no passado longínquo chamado Gohyaku-Jintengo. Nitiren Daishonin definiu essa verdade como Nam-myoho-rengue-kyo e incorporou-a no Gohonzon.
O Sutra de Lótus prediz que quando chegassem os Últimos Dias da Lei, os Bodhisattvas da Terra apareceriam para levar a salvação a toda a humanidade. Jogyo, o líder desses bodhisattvas, é Nitiren Daishonin.
Por ter atingido a iluminação por si só — com sua própria compreensão — e por ter revelado a verdade fundamental da vida, Nitiren Daishonin é chamado de Buda original. E pelo fato de ter manifestado a benevolência própria a um bodhisattva ao propagar o ensino máximo do budismo na sociedade, levando as pessoas à iluminação, ele é identificado como Bodhisattva Jogyo.

 Filme sobre a vida de nichiren

Contos Zen: Céu e inferno


Um samurai violento, com fama de provocar briga sem motivo, chegou às portas do mosteiro zen e pediu para falar com o mestre. Sem titubear, Ryokan foi ao seu encontro.
- Dizem que a inteligência é mais poderosa que a força - comentou o samurai. - Será que o senhor consegue me explicar o que é céu e inferno?
Ryokan ficou calado.
- Viu? - bradou o samurai. - Eu conseguiria explicar isso com muita facilidade. Para mostrar o que é inferno, basta eu dar uma surra em alguém. Para mostrar o que é o céu, basta deixar uma pessoa fugir, depois de ameaçá-la muito.
- Não discuto com gente estúpida como você - comentou o mestre zen.
O sangue do samurai subiu à cabeça. Sua mente ficou turva de ódio.
- Isto é inferno - disse Ryokan, sorrindo.
O guerreiro ficou desconcertado com a coragem do monge, e relaxou.
- Isso é o céu - terminou Ryokan, convidando-o a entrar.

O Sutra do coração



O Sutra da Perfeição da Sabedoria ou Sutra do Coração (em sânscrito: Prajñā Pāramitā Hridaya Sūtra, chinês: 般若波羅蜜多心經) é um conhecido sutra budista mahāyāna. Notável por sua brevidade, concisão e claridade, o Sutra do Coração tem esse nome por ser considerado representativo dos ensinamentos básicos dos Sutras da perfeição da sabedoria, que são muito mais longos. Não é difícil ter o texto completo do sutra em uma única página.


O Bodhisattva Avalokitesvara,
Praticando profundamente o prajna paramita,
Viu claramente o vazio de todos os cinco agregados.
Assim libertou-se completamente do infortúnio e sofrimento.
Oh Shariputra, forma nada mais é do que vazio,
Vazio nada mais é do que forma;
Assim, forma é vazio, vazio é forma.
À semelhança disto, sensação, conceituação, discriminação
E consciência são também assim.
Oh Shariputra, todos os dharmas são vazios,
Nem surgem, nem findam;
Nem são impuros nem puros, destituídos de acréscimos ou perdas;
Assim, no vazio não há forma, nem sensação, conceituação,
Discriminação ou consciência;
Nem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, mente;
Nem cor, nem som, nem cheiro, nem sabor, nem tato, nem fenômeno;
Nem campo da visão, nem campo da audição, nem campo do olfato,
Nem campo gustativo, nem campo táctil, nem campo da consciência;
Nem ignorância e nem extinção da ignorância...
Nem velhice e morte, e nem a extinção da velhice e morte;
Nem sofrimento, nem causa de sofrimento,
Nem extinção do sofrimento,
Nem caminho para a extinção do sofrimento;
Nem sabedoria e nem qualquer aquisição;
Nada que possa ser encontrado;
E então o bodhisattva vive o prajna paramita
Sem nenhum obstáculo na mente.
Sem obstáculos, portanto sem medo,
Inteiramente afastado de sonhos ilusórios, isto é nirvana.
Todos os Budas do passado, presente e futuro vivem prajna paramita,
E assim atingem anuttara-samyak-sambodhi.
Portanto saiba, o prajna paramita é o grande mantra,
O mantra vívido, o melhor mantra, o mantra insuperável.
Ele elimina completamente qualquer dor
Isto é a verdade e não uma mentira.
Assim, tome o mantra prajna paramita,
Tome este mantra e diga:
Gate! Gate! Paragate! Parasamgate!
Bodhi svaha! Prajna Paramita Sutra.
TODOS OS BUDAS NAS DEZ DIREÇÕES
TODOS OS GRANDES BODHISATVAS
GRANDE SABEDORIA COMPLETA

Muitos mestres: Principe Siddartha (O Buddha)


Há 3 000 anos começaram a se formar as principais filosofias e religiões que organizaram as visões de mundo do homem contemporâneo. Alguns filósofos, como o alemão Karl Jaspers, dão a essa época o nome de Era Axial(referente a eixo). Foi, portanto, quando o homem começou a buscar o seu eixo. Ou, segundo Jaspers, quando passamos a prestar atenção em nós mesmos. A Era Axial estende-se entre os séculos VIII e II a.C.
Do século VIII ao VI a.C. os profetas de Israel reformaram o antigo paganismo hebreu.
Na China dos séculos VI e V a.C., Confúcio e Lao-Tsé chacoalhavam as velhas tradições religiosas.
Na Pérsia, o monoteísmo desenvolvido por Zoroastro expandiu-se e influenciou outras religiões.
No século V a.C., Sócrates e Platão encorajavam os gregos a questionar até mesmo as verdades que pareciam mais evidentes.
Tudo acontecendo mais ou menos junto. E é bem no meio dessa era, no século VI a.C., que surge o Buda, que nos traz uma das mais influentes religiões do mundo, hoje com quase 400 milhões de adeptos.
Durante a era Axial, a Índia também passou por grandes transformações. Sua cultura foi dominada pelos arianos, antigos povos nômades que teriam migrado da Ásia Central 4 000 anos antes. A sociedade ariana dividia-se em castas: brahmins, os sacerdotes; ksatriyas, os guerreiros e governantes; vaisyas, os camponeses e criadores de gado; e sudras, os escravos ou marginais. O que determina a inclusão em uma dessas classes é a hereditariedade – ou seja, somente aquele que nasceu de mãe da casta bramânica podia realizar rituais e curas. Para os brâmanes, a essência do universo está em Brahman, deus primordial que se expressa em uma infinidade de outras deidades. Sua rígida espiritualidade é expressa nas escrituras sagradas conhecidas como Vedas. E, assim como acontecia em outras regiões, surgiu uma revolta contra esses sacerdotes e seus rituais – que incluíam sangrentos sacrifícios de animais.
Mas novos movimentos reinterpretavam as antigas tradições, procurando afastar-se desses rituais e buscar outro tipo de sacrifício, mais interno, de renúncia às coisas do mundo – aquela atenção a si mesmo descrita por Jaspers.

 
Documentario da BBC sobre a vida de Buda


Nasce o Budha

É nessa Índia em ebulição espiritual que surge Sidarta Gautama, o Buda. Ele nasceu em 563 a.C. em Lumbini, aos pés do Himalaia, em uma região que hoje pertence ao Nepal. Era um aristocrata, da casta ksatrya, a dos guerreiros e governantes. Seu pai, Shudodhana, era o rei do clã dos sakyas. Vem daí o outro nome pelo qual Sidarta se tornaria conhecido: Sakyamuni, ou “o sábio silencioso dos sakyas”. O pai de Sidarta, temendo que se cumprisse uma profecia segundo a qual ele se tornaria um homem santo, cercou-o de luxos e prazeres, acreditando que se o mantivesse ignorante sobre o sofrimento do mundo, iria afastá-lo do caminho espiritual. Sidarta tinha um palácio para o inverno, outro para o verão e um terceiro para a época das chuvas. Na adolescência, vivia cercado por belas moças, ocupadas em diverti-lo em seus aposentos decorados com sugestiva arte erótica. Aos 16 anos, escolheu-se uma noiva para ele, a bela Yashodhara, com quem teria um filho, Rahula.
Pouca coisa mudaria na sua vida até os 29 anos. Apesar de todo o luxo, Sidarta sentia-se infeliz. Certo dia, contra a vontade do pai, saiu para passear fora do palácio e se surpreendeu com quatro cenas que o tirariam para sempre daquela vida de prazeres.
  • Primeiro, viu um velho arqueado, de pele enrugada, movendo-se com dificuldade. 
  • Depois, avistou um doente que sofria dores terríveis. 
  • Mais tarde, cruzou seu caminho um cortejo fúnebre. Um morto era carregado por amigos e parentes que choravam sua perda. Foi um choque e tanto para alguém que sempre vivera protegido, sem se dar conta de que tudo que nasce também se degenera, envelhece e morre.
  • A quarta visão do passeio de Sidarta foi um mendigo errante, esmolando por comida. Apesar da sua pobreza, tinha porte ereto, feições radiantes e expressão de profunda serenidade. 
 Sidarta determinou-se a também abraçar uma vida santa e a buscar uma resposta para o sofrimento que viu no mundo. Uma decisão como essa não era tão incomum na Índia daquela época. Acreditava-se que somente quando se abandona a vida doméstica e os laços afetivos para tornar-se um eremita ou andarilho é que se conseguem as respostas para a busca espiritual. Essa busca tinha um objetivo específico. A maioria da população indiana acreditava em alguma forma de renascimento ou transmigração, em um ciclo interminável que começa no nascimento, passa para a velhice, a morte e recomeça em novo nascimento. O ideal que todos desejavam era algo capaz de pôr fim a esse ciclo, que pudesse libertar o espírito desse movimento circular.Sidarta abandonou o palácio enquanto todos dormiam, sem ao menos se despedir da mulher e do seu pequeno filho. O príncipe logo aprendeu a dormir no chão e a esmolar por comida. Além da mendicância, a vida de filósofo-andarilho (ou sramana) incluía práticas de meditação. Na sua busca, ele se aproximou de dois famosos mestres e rapidamente chegou aos últimos estágios de absorção contemplativa propostos por eles. Mas ainda não atingira a suprema realização que buscava. Dedicou-se então à automortificação. As práticas ascéticas são comuns às formas primitivas da maior parte das religiões, inclusive no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. O que está por trás da autoflagelação é a idéia de que um rígido controle dos sentidos desenvolve a autodisciplina e transfere o máximo de energia corporal para a atividade mental.
Durante seis anos, Sidarta experimentou privações e dores. Mudou radicalmente a alimentação, ampliando o período entre as refeições. De uma por dia, passou a uma a cada dois dias, três, quatro, até alimentar-se somente a cada 15 dias. Depois, diminuiu a quantidade até chegar à ração diária de um único grão de arroz. Simultaneamente, fazia experiências psicológicas, analisando em si mesmo certas emoções que, acreditava, só poderia eliminar completamente se as observasse em profundidade. Para analisar o medo e meditar sobre a impermanência, passava noites deitado entre cadáveres e esqueletos num cemitério. Ainda assim, não alcançara sua realização final. O próprio Sidarta descreve os efeitos dos jejuns:
Quando eu pensava estar tocando a pele do meu abdomem, era a minha coluna que eu segurava”. Abandonou essas práticas, pois sua experiência provou que a autoflagelação embota a mente em vez de favorecê-la.
Ele intuiu, então, que o caminho para a libertação não estava nos excessos de ascetismo, nem nos da sensualidade, mas em um ponto de equilíbrio entre eles. Vem daí a expressão “caminho do meio”, um dos pilares do Budismo.
Sidarta voltou a comer. Segundo conta-se, uma porção de arroz e leite oferecida por uma jovem que o encontrou quase morto à beira de um rio. Dias depois, recuperado, preparou um assento de capim sob uma figueira – que ficaria conhecida como a árvore bodhi, ou árvore da iluminação – na região de Bodhgaya, no norte da Índia. Decidiu então que ou atingiria a iluminação ali ou morreria. Mesmo para um alto praticante como ele, surgiram obstáculos. Alguns relatos os descrevem na forma de tentações e demônios, como Mara, deus indiano da morte. São imagens que simbolizam os obscuros medos reprimidos, fragmentos de memória, dúvidas, fantasias e outros conteúdos mentais tão persistentes e familiares a quem já tenha tentado alguma prática meditativa. Sidarta transpôs esses obstáculos e, serenamente, dominou todos os estágios de meditação. Como fez isso? As escrituras dizem apenas que ele permaneceu imóvel diante das investidas de Mara. Mas há uma pista nas técnicas para lidar com esses conteúdos mentais.
Uma delas é a meditação de ponto único. Nela, a observação concentra-se em um objeto específico (a respiração, por exemplo), controlando ou suspendendo temporariamente o fluxo dispersivo de pensamentos.
Assim, Sidarta tornou-se um Buda numa noite de lua cheia no mês de maio, quando tinha 35 anos. Buda não é um nome próprio, mas uma palavra em sânscrito que significa “o Desperto” ou “o Iluminado”. Esse título passou a definir a condição de Sidarta Gautama e ficou ligado ao seu nome, da mesma maneira como o título de Cristo (“Salvador”) associou-se ao nome de Jesus.
O detalhamento dessa experiência sob a figueira tornou-se o corpo dos seus ensinamentos, cuja essência é não fazer o mal, praticar o bem e purificar a mente. Buda ampliou o conhecimento sobre a mente humana e acreditava ter descoberto uma verdade profunda que lhe permitiu viver grande transformação interior e conquistar a imunidade ao sofrimento. Depois da sua iluminação, passou 45 anos ensinando outras pessoas a fazer o mesmo e organizou comunidades de monges só homens.
A grande novidade trazida por Buda em sua época foi a idéia de que a vida espiritual, como capacidade de conhecer a si mesmo, não tem nada a ver com as restrições de casta impostas pelos brâmanes. Foi um salto e tanto para a estrutura social da Índia, que aceitou prontamente essa religião tolerante. Buda diz que todos os seres humanos têm vislumbres de iluminação. Isso acontece nos momentos em que aquele insistente e auto-referente “eu” não interfere, quando a mente não se prende ao passado, não sonha com o futuro e se envolve apenas com o momento presente. Esses vívidos momentos de ligação com o aqui-e-agora contrastam com a mente habitual. Eles surgem como relances fugidios, mas podem também ser voluntariamente induzidos pelo processo meditativo. Aí está o fim do sofrimento, a iluminação, o nirvana, o satori... o estado de Buda.
A essência dos ensinamentos budistas está nas práticas meditativas, que se fundam em tradições anteriores ao próprio Buda. Na meditação busca-se cessar a atividade mental ininterrupta, na qual pensamentos e fantasias bloqueiam a experiência direta e intuitiva. Na maior parte do tempo alimentamos pensamentos que podem nos deixar ansiosos, frustrados, com mágoa, raiva, ressentimento ou medo. Tragada por esse vórtice de sensações, nossa atenção perde o foco. É por isso que, muitas vezes, comemos sem sentir o sabor do alimento, olhamos uma pessoa sem vê-la de fato. Por quase meio século, Buda viveu cercado de multidões às quais receitava antídotos para essa dispersão, como a chamada “atenção plena”, prática que consiste em dispensar o máximo de atenção a tudo o que se faz – e que está na base de várias técnicas meditativas.
Buda morreu por volta de 483 a.C.