Os ensinamentos de Buda Sakyamuni transmitida através de numerosas linhagens de mestres
que se espalharam por vários países. Quando morreu, seus ensinamentos
estavam bem estabelecidos na região central da Índia. Havia muitos
seguidores leigos, mas o coração da comunidade eram os monges
mendicantes, os bhiksus. Sua doutrina se espalhou por uma poderosa rede
de mosteiros e tomou diversas formas, adaptando-se a diferentes
situações históricas e culturais. Essa característica flexível do
Budismo seria determinante para sua difusão. Por ser ele mesmo mutável e
impermanente, o Budismo tem um mecanismo interno que barra o
fundamentalismo – risco presente em outras religiões, cuja história está
manchada de sangue.
“
Não deveis aceitar nada por ouvir falar, tampouco porque está nas
escrituras”, disse Buda. Como sua ênfase é a compaixão, o
Budismo não define a si mesmo como solução melhor que qualquer outra. O
Budismo primitivo, a rigor, nem era uma religião, mas um conjunto de
práticas morais e mentais. No que diz respeito à meditação, essas
práticas podem ser vistas como simples técnicas, que não implicam em
compromisso com nenhum tipo de religiosidade.
Como resultado da sua expansão, cerca de 300 anos depois da morte de
Buda, o Budismo já se dividia em 18 escolas. Seus ensinamentos, mantidos
por transmissão oral, agora estavam escritos. Vários concílios foram
organizados para dar homogeneidade às escrituras das diversas escolas.
Um deles, realizado no século III a.C., resultou no chamado Cânone Páli,
o registro mais antigo dos ensinamentos budistas. Pouco depois, o
Budismo dividiu-se em duas tradições, cada uma delas afirmando-se como
possuidora do verdadeiro sentido da palavra de Buda. A tradição
Theravada, ou “à maneira dos antigos”, que se baseava exclusivamente nos
textos escritos na língua páli, espalhou-se pelo sudeste da Ásia. Para o
praticante Theravada, Buda não era um deus, mas sim um grande sábio. O
objetivo do caminho Theravada é iluminação individual.
A outra tradição é a
Mahayana (literalmente “Grande Veículo”), que se
instalou sobretudo na China, Coréia e Japão. A base de seus
ensinamentos também está na prática da meditação. No Budismo Mahayana,
porém, Buda já não é apenas um sábio, mas uma divindade reverenciada.
Assim como os chamados bodhisatvas, seres considerados iluminados, que
adiam sua entrada no nirvana para poder ajudar na iluminação de outros.Sidarta, ou Buda Sakiyamuni,
jamais se apresentou como um enviado, salvador ou reencarnação de quem
quer que fosse.
Nos seus discursos não há referência sequer ao fato de
que existe reencarnação.
Ele não disse palavra a favor ou contra a idéia
de Deus.
O conceito de buda já não se restringia a Sidarta, o Buda Sakyamuni.
Passou a definir um princípio fundamental de iluminação espiritual.
Sakyamuni já não era mais “o” buda, mas sim “um” buda. As tradições
orientais sustentam que houve muitos budas no passado e que ainda haverá
muitos outros no futuro. Ampliando o conceito de que há tantos budas
quanto grãos de areia, expandiu-se amigavelmente pelo
Oriente, incorporando uma infinidade de arquétipos ou divindades locais. Isso explica por
que existem tantas imagens diferentes do Iluminado. Quando ele
é representado como um asceta esquelético, refere-se ao Sidarta da fase
pré-Buda. Quando mostrado como um meditador sereno, é o Buda Sakyamuni.
O mesmo ocorre com os dhianybudas, ou budas da
meditação, aos quais se atribuem significados ocultos. Ou com as 21
belas figuras da jovem Tara – representação do aspecto feminino e
compassivo de Buda, cultuada na tradição tibetana. Também vêm do Tibete
as famosas imagens de budas em abraços sexuais com suas consortes, um
símbolo da unidade entre iluminação e sabedoria.
Apesar do grande florescimento que teve em sua terra natal, o Budismo
foi varrido da Índia em decorrência das invasões dos hunos no século V
d.C. e dos islâmicos nos séculos XII e XIII. A corrente que mais se
expandiu foi a Mahayana, por ser menos ortodoxa que a Theravada. O maior
desenvolvimento do Budismo aconteceu na China, onde chegou no século I
d.C., e, depois, na Coréia e no Japão. Seu encontro com as tradições
chinesas deu origem à escola de meditação Ch’an e, mais tarde, no Japão,
ao
Zen Budismo. “Zen” é uma palavra japonesa derivada do chinês ch’an,
que vem do sânscrito dhyana – técnica que, segundo a psicologia do yoga,
conduz a um elevado estado de consciência em que o homem une-se com o
universo. Os chineses preferiram encontrar essa união no trabalho
cotidiano, em vez de na meditação solitária numa floresta, como o
próprio Sidarta.
O Zen é um dos mais importantes herdeiros da vertente Mahayana -– só
equiparado pela corrente Vajrayana, que se desenvolveu no Tibete.
Chamado de “Caminho do Diamante”, o Vajrayana tem suas origens
encravadas em textos budistas do século II, registrados nos chamados
tantras, escrituras esotéricas sobre a transformação da mente através de
meditações, visualizações e ritos. Essa linha surgiu no norte da Índia
há cerca de 2 000 anos e hoje é seguida pela tradição tibetana.
O Budismo só penetraria no Ocidente a partir do século XIX, com o
estudo das culturas da Índia e a publicação de O Mundo como Vontade e
Idéia. Nesse livro, o alemão
Arthur Schopenhauer (1788-1860), que
influenciaria muitos outros filósofos, como
Friedrich Nietzsche,
mergulha nos ensinamentos budistas.
Principios do budismo
AS QUATRO NOBRES VERDADES
- Sofrimento: É a característica básica da nossa existência. Tudo é sofrimento:
nascimento, doença e morte; encontrar algo não apreciado; não obter o
que se deseja, separar-se de algo desejado.
- Origem do sofrimento: Sua causa está nos anseios, nos desejos, no apego e na sede de
satisfação dos sentidos. Tudo isso prende as pessoas ao ciclo da
existência (samsara).
- Cessação do sofrimento: Pela eliminação dos desejos e do apego pode-se extinguir o sofrimento.
- Caminho que leva à cessação do sofrimento: Para os budistas da linha Theravada, o meio de pôr fim ao sofrimento
é o Nobre Caminho Óctuplo. Para os budistas da linha Mahayana, são as
Seis Perfeições.
O NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO
- Compreensão correta, baseada no entendimento das Quatro Nobres
Verdades e na consciência de que não existe um “eu” individual: tudo
está interligado.
- Atitude correta, favorável à renúncia e à boa vontade, buscando não prejudicar os seres sensíveis.
- Fala correta: evitar mentir, caluniar e bisbilhotar.
- Ação correta: evitar, sobretudo, matar, roubar e praticar sexo ilícito (estupro e pedofilia, por exemplo).
- Modo de vida correto: evitar profissões que causem sofrimento aos outros, como caçador ou fabricante de armas.
- Esforço correto: pensar antes de agir, cultivando pensamentos, palavras e ações nobres.
- Atenção correta: percepção contínua do corpo, dos sentimentos e dos objetos de pensamento.
- Concentração correta: o cultivo de uma mente tranqüila, que encontra seu ponto mais elevado na absorção meditativa.
AS SEIS PERFEIÇÕES
- Generosidade
- Paciência
- Ética
- Esforço entusiástico
- Concentração
- Sabedoria
OUTROS CONCEITOS-CHAVE
Buda provavelmente falava num dialeto chamado maghadi e seus
ensinamentos foram registrados na língua páli. Salvo exceções indicadas,
os termos a seguir estão na forma como foram transliterados do
sânscrito ou na maneira como foram incorporados à língua portuguesa.
- Ahimsa: “Não-violência”. É a base ética do Budismo.
- Anatman:“Não-eu”. Para o Budismo, não existe um “eu”: cada um de nós é uma
soma de várias experiências de vida, em eterna mutação. Ignorar isso é a
principal causa do sofrimento.
- Arhat:“Santo”. Pessoa que atingiu a iluminação quase completa. O ideal do caminho Theravada.
- Bhiksu:Monge mendicante que entrou para a vida errante.
- Bodhisatva:Ser que aspira à condição de Buda pela prática das seis perfeições e
que se compromete a abrir mão do nirvana até que tenha levado todos os
seres sensíveis à iluminação. É o ideal do caminho Mahayana.
- Carma:“Ação”. É a lei de causa e efeito que rege o universo. Não significa
destino no sentido fatalista, mas sim o que recai sobre cada um como
resultado do seu comportamento.
- Darma:“Doutrina”. O termo Budismo é uma invenção ocidental para o que os
budistas chamam de Buda-darma: ensinamento de Buda; lei cósmica; caminho
para o nirvana.
- Impermanência
- Transitoriedade da matéria, do pensamento, do corpo humano e da
própria idéia de “eu”. Como todas as coisas são impermanentes, nos
escapam tão logo tentamos possuí-las. A frustração desse desejo de posse
é a causa imediata do sofrimento.
- Mahayana:“Grande veículo”. É um dos caminhos do Budismo. Inclui a maior parte das escolas existentes.
- Lama (tibetano):“Ninguém acima”. Significa guru, mestre espiritual.
- Nirvana:“Extinção”, “apagamento”. É a meta da prática espiritual. Não deve
ser entendida como aniquilação, mas sim como entrada em outra forma de
existência. Psicologicamente, é um estado de grande liberdade e
espontaneidade. “O nirvana nos ensina que já somos aquilo que queremos
nos tornar”, diz o monge vietnamita Thich Nhat Hanh.
- Samsara:“Roda do sofrimento”. Ciclo que rege a inquieta existência humana e
se alimenta de apego, desejos, ódio e ilusão. É nele próprio que se deve
procurar sua extinção – ou nirvana.
- Sunyata:“Vazio”, “vácuo”. Conceito segundo o qual todas as coisas – incluindo você, leitor – não contêm essência, apenas aparência.
- Tendrel (tibetano):“Interdependência”. Tudo depende de outra coisa. Observador, observação e objeto observado são partes de um só movimento.
- Theravada:“À maneira dos anciãos”. Uma das principais escolas do Budismo, é a mais tradicionalista.
- Vajrayana:“Veículo do diamante”. Caminho tântrico e ocultista do Budismo.
A árvore da sabedoria silenciosa
Ao longo dos últimos 2 500 anos, os ensinamentos de Buda floresceram em dois ramos principais.
O primeiro – Theravada, ou Hinayana, “Caminho Estreito” – para os
puristas e ortodoxos, foi para um lado. O segundo – Mahayana, “Grande
Caminho” –, aberto a todas as experimentações, foi para o outro e se
multiplicou em uma espantosa variedade de movimentos e escolas
espiritualistas, inclusive no Ocidente
1 - Theravada (Séc. II a.C.)
O Theravada tem hoje 125 milhões de adeptos (38% dos budistas) em Sri
Lanka, Birmânia, Laos, Tailândia e Camboja. O movimento segue as
antigas escrituras na língua páli, na qual foram registrados os
primeiros documentos budistas. Sua prática enfatiza a busca da
iluminação individual. O nome Hinayana (Pequeno Veículo), comumente
atribuído a eles, foi criado pela corrente Mahayana e não é aceito pelos
Theravada
2 - Mahayana (Séc. II a.C.)
A corrente principal do Budismo tem hoje 185 milhões de adeptos (56%
do total). O Mahayana (Grande Veículo) abriga várias escolas e
linhagens. Não professa o caminho individual mas “a iluminação em
benefício de todos os seres”. É aberto a diferentes crenças e ritos
devocionais e enfatiza a prática da compaixão
3 - Vajrayana (Séc. II)
Essa linha tem hoje 20 milhões de adeptos (6% dos budistas),
principalmente nos países do Himalaia: Tibete, Butão, Nepal e Mongólia O
Vajrayana (Veículo do Diamante) surgiu no norte da Índia e, mais tarde,
chegou à China, ao Japão e ao Tibete. Prosseguimento dos métodos
Theravada e Mahayana, tem suas origens nos tantras, escrituras
esotéricas que ritualizam diversas práticas para a transformação da
mente
4 - Zen
Desenvolve-se a partir do século XII no Japão, buscando o máximo de
simplicidade e desprezando o intelectualismo e os aspectos sobrenaturais
e ritualísticos das religiões. Cada ato do cotidiano deve ser uma
meditação. Essa mentalidade criou artes e disciplinas especiais para
desenvolver a concentração, como jardinagem, arranjos florais e outras
modalidades:
- Pintura: O que mais importa é o espaço vazio, buscando o máximo de expressividade com o mínimo de pinceladas
- Poesia: Sua forma tradicional está nos haikai, poemas curtíssimos como este clássico de Mitsuo Bashô.
- Koans:São uma espécie de pegadinhas, sem respostas lógicas, usadas para
treinar a mente: “Que som é produzido quando se bate palmas com uma mão
só?”
- Cerimônia do chá:Preparar essa bebida tão simples torna-se um ritual de atenção plena e absorção em quietude espiritual
Japão
Presente no país desde 621, o Budismo dá origem a várias escolas e
seitas, nas quais se mistura ao Xintoísmo – grupo de antigas religiões
locais. A escola que mais se expandiria no Ocidente é a Zen
China
O Budismo chega ao país no século I e funde-se à religiosidade local.
Nas novas escolas que surgem, nem sempre se percebe onde acaba o
Budismo e onde começa o Taoísmo – doutrina de Lao Tsé, para quem o Tao,
“fluxo natural”, é a essência do universo. A escola Ch’an (Meditação)
é uma espécie de avó do Zen Budismo
Tibete
No século VIII, o Budismo Vajrayana funde-se com as religiões
xamânicas do Tibete, altamente ritualizadas. O Budismo tibetano
organiza-se em quatro escolas principais, formadas por várias linhagens
(Nyingma, Gelupa, Kagyiu e Sakya)
Sidarta Gautama, O Buda (563 a.C. – 483 a.C.)
Duzentos anos depois da morte de Buda, ainda na Índia o Budismo se
divide em dois movimentos: Mahayana e Theravada seguem os sutras,
discursos feitos por Sidarta. Quatro séculos depois, surge um terceiro
movimento (Vajrayana) com base nos tantras, ensinamentos secretos também
atribuídos ao Buda
A trilha do mestre
Os caminhos percorridos pelo Buda em vida vão do Nepal ao nordeste da Índia
1. Lumbini
Sidarta Gautama nasceu na primavera de 563 a.C. no antigo reino dos sakyas – região que hoje pertence ao Nepal
2. Kapilavastu
Aqui ficava o palácio onde, durante 29 anos, o príncipe Sidarta
desfrutou de uma vida de luxo e prazeres – até abandoná-la para partir
em sua busca espiritual
3. Uruvela e Bodhgaya
Depois de seis anos jejuando e meditando em Uruvela, ele deslocou-se
para Bodhgaya, uma região próxima. Esse local tornou-se o maior centro
de peregrinação budista, pois foi onde Sidarta atingiu a iluminação
4. Sarnath
Foi em Sarnath (perto da atual Varanasi), que Buda fez seu primeiro
discurso depois da iluminação e revelou as Quatro Nobres Verdades, base
da sua doutrina
5. Rajgir
Aqui Buda recebeu apoio de comerciantes e da realeza, o que permitiu
fundar mosteiros que se tornaram os principais centros de difusão de
seus ensinamentos
6. Nalanda
Construída no tempo de Buda e fortemente influenciada por sua
doutrina, Nalanda foi uma das primeiras universidades do mundo. No seu
apogeu, teve 1 500 professores de disciplinas como gramática, filosofia,
astronomia e medicina. Foi destruída pelos muçulmanos no século XIII
7. Kushinagar
Foi nessa região, hoje ocupada pelo Nepal, que o Buda morreu, aos 80
anos, em 483 a.C. Segundo seus discípulos, ele teria atingido o que
chamam de mahaparinirvana (“grande cessação da existência”). Suas
últimas palavras: “Tudo é impermanente”
E a pedra fundamental.... o caminho do meio....
- A prática de não-extremismo: um caminho de moderação e distância entre a auto-indulgência e a morte;
- O meio-termo entre determinadas visões metafísicas;
- Uma explicação do nirvana (perfeita iluminação), um estado no qual fica claro que todas as dualidades aparentes no mundo são ilusórias.